COSENDO
Eu não fiquei surpreso quando ergui minha cabeça pelos cabelos e percebi que ela estava separada do corpo.
De algum modo, eu já sabia que tinha sido decepado. ⠀⠀⠀⠀⠀
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Depois dessa descoberta, passei a questionar a suposta ligação que existia entre meu cérebro e coração.
Como eu sentia o que sentia se os ligamentos estavam cortados? ⠀⠀
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Passei a me observar atentamente.
Em certos momentos, percebia que havia dor, mas não havia correspondência corpórea dessa dor.
A tragédia era mental.
Em outros, meus membros se remexiam inquietos, mas não havia correspondência mental.
O caos era corporal.
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Eu seguramente não poderia andar pela rua com minha cabeça balançando nas mãos, que deselegante e que incômodo seria, não só para o outro, como para mim mesmo. Precisava conectá-la meu corpo.
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Iniciei então o processo de costura.
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A sutura que fiz era grotesca e o sorriso que o corte formava no meu pescoço parecia irônico e triste, mas havia coerência.
Pela primeira vez corpo e mente eram um só.
Que alívio tem sido!
O único porém é que as linhas são fracas e arrebentam com frequência, a cabeça tomba para o lado, então é preciso sempre recosturá-la. A conexão entre mente e corpo não me ocorre naturalmente. É trabalhoso, preciso cose-la sempre, caso contrário, a vida é um pandemônio.
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